1 de outubro de 2012

NOVAS REFLEXÕES


PROJETO DE MESTRADO:
DANÇATIVIDADE – PISTAS PARA PENSAR A DANÇA NA CONTEMPORANEIDADE
Chrystine Silva
Orientadora: Dra. Karenine Porpino

Durante as pesquisas sobre os conceitos de Teatralidade e Performatividade em decorrência da escritura do meu TCC[1], me deparei com a seguinte pergunta: A performance tem a performatividade, o teatro tem a teatralidade, e a dança tem o quê?
Partindo dessa questão, nos propomos a desenvolver enquanto pesquisa de mestrado o termo Dançatividade enquanto potência que se manifesta na pluralidade da Dança na contemporaneidade sem atentarmos para os paradigmas de caracterização destas diferentes manifestações, mas procurando perceber que formas esta potencialidade pode tomar na cena de dança.
Interessa-nos neste trabalho tratar da dança na contemporaneidade, através da discussão trabalhos artísticos que estão tanto no campo da dança, como em outros campos, tais como a performance arte ou arte da instalação. Nessa perspectiva nos afastamos dos paradigmas de conceituação e nos aproximamos mais de uma possível leitura das questões de ruptura e hibridização das linguagens, sugeridas estas manifestações.
Para pensar a Dançatividade traremos para a nossa discussão uma percepção inicial de como se caracterizam os conceitos de Performatividade e a Teatralidade. Levando em conta que estes conceitos vêm sendo estudados por diversos teóricos e críticos, optamos por trazer para esta discussão um pensador de cada conceito por compreendermos que este quadro teórico se coloca apenas como introdução à questão da Dançatividade que nos propomos a pensar neste projeto.


Depois de apresentadas as percepções de Teatralidade enquanto espaço de tensão entre procedimentos do teatro e de outras linguagens artísticas (FÉRAL: 2008), e de Performatividade enquanto qualidade da ação que pressupõe a existência de sujeitos envolvidos numa relação de falar e se deixar falar-ouvindo (AUSTIN:1990) (SCHECHNER: 2006), nos propomos a refletir quais questões a Dançatividade poderia trazer para pensarmos as manifestações de dança na contemporaneidade.
Podemos dizer que a dança na contemporaneidade tem como característica própria a constante busca por rupturas em sua própria estrutura, rupturas essas que, partindo do agenciamento de diferentes percepções técnicas e estéticas, geram manifestações tão diferenciadas entre si que acabam por extrapolar esta mesma nomenclatura e necessitar da criação de diferentes espaços de conceituação e criação.
De acordo com esse pensamento, se faz necessária uma definição que não mais se impressione com categorias de tipos de dança, mas em analisar as potencialidades de dança na cena. As conceituações ou vertentes anteriormente citadas esbarram na categorização de tipos de dança o que acaba por trazer mais complicações relacionadas à compreensão das danças que não fazem parte desses “tipos de dança”, mas que também se manifestam na contemporaneidade.
Dessa feita, é válido salientar, que as ideias aqui propostas não prevalecem em todos os contextos da dança na medida em que se apresentam enquanto pistas para pensar a dança no contexto plural e mutável da contemporaneidade. Não nos interessa, nesse sentido, tentar urdir um conceito de dança na contemporaneidade, pois percebemos que não há uma única referência que abarque sua diversidade de pensamentos, processos de criação e treinamentos.
Nesse sentido propomos pensar a Dançatividade enquanto possibilidade de leitura à dança na contemporaneidade assumindo as diferenças entre as danças que se manifestam neste contexto. Assim, o termo proposto nos ajuda a pensar estas manifestações na medida em que busca se concentrar na análise dos pontos de convergência entre diferentes danças e não nos pontos divergentes que as situam sob diversas nomenclaturas.
Concentramos-nos, pois, no que une todas essas perspectivas, o corpo enquanto fio condutor da experiência humana (BARRENECHEA, 2011) que é tecida na cena pelos corpos que agem-dançam e pelos corpos que se deixam dançar naqueles primeiros. Ao nos concentrarmos no corpo que age-dança, enquanto força motriz das manifestações de dança na contemporaneidade, podemos tratar das diferentes “danças” sob esta mesma alcunha, bem como das diferentes estratégias de agenciamento dos referenciais estéticos e técnicos necessários para seus processos criativos. Nessa perspectiva, podemos afirmar que a Dançatividade se manifesta enquanto potência de criação do corpo-agente que extrapola os limites da linguagem em que se insere.
Portanto, trazemos para discussão o termo “vontade de potência” desenvolvido por Friedrich Nietzsche e revisitado criticamente por Keith Ansell-Pearson em seu livro Nietzsche como Pensador Político: Uma Introdução (1977). Ansell-Pearson coloca que a vontade de potência pode ser considerada uma força criadora, um impulso de força a efetivar-se e criar novas configurações em relação às demais.
Partindo da percepção apontada pelo autor podemos perceber que a vontade de potência se coloca como um impulso do sujeito em se distanciar da verdade unificadora e se abandonar aos seus instintos artísticos constituídos pelo contínuo confronto entre as forças apolíneas e dionisíacas (NIETZSCHE, 2006). A vontade de potência seria um impulso de reavaliação, reorganização dos valores.
A Dançatividade enquanto potência se manifesta nos agenciamentos realizados pelos corpos-agentes na criação da cena, no esforço de tratar de suas questões neste espaço de criação que acaba por inferir num jogo de forças e questionamentos da linguagem da dança recriando-a numa inquietude criadora que se manifesta das mais diferentes maneiras.
 Por compreendermos que não seria possível pensar as inesgotáveis possibilidades de manifestação desta Dançatividade na impermanência do sujeito da dança e desta própria dança enquanto território de criação, considerando o recorte de uma pesquisa de mestrado, nos concentraremos em três aspectos de grande importância para a compreensão desta potência.
Daremos início ao nosso estudo nos concentrando nas diferentes percepções de processo criativo que percebemos na contemporaneidade, considerando que o sujeito contemporâneo (AGAMBEM, 2009) está a todo o tempo em posição de contestar e desconstruir sua própria realidade sendo interpelado pelas tecnologias e manifestações políticas e ideológicas. Pensar a dança na contemporaneidade seria, portanto pensar estes diferentes sujeitos que irão suscitar diferentes percepções de processo criativo que estejam em consonância com suas diferentes potências de criação.
Continuaremos nossa argumentação pensando na capacidade da linguagem de dança de contaminar e ser contaminada por outras linguagens artísticas, pensando nesse sentido um fazer para cada dizer (SETENTA, 2008) agenciando as diferentes referências estéticas e técnicas para a criação de uma dança que se construa no entendimento de que existe a possibilidade de criação de um repertório próprio de falas/linguagens/danças que vão se enunciando e transformando durante as apresentações.
Reafirmando uma compreensão de dança que se constrói a partir dos corpos, dos sujeitos interpelados e pelados pelas experiências e referenciais do contexto contemporâneo, nos colocamos em posição de pensar as idiossincrasias desses corpos e como elas são postas em cena. Nos propomos a pensar como a(s) cena(s) de dança(s) pode(m) tratar de temas que partem do próprio corpo, tornando-os políticos na medida em que esses temas também tocam outros corpos, outras realidades.
Para a discussão dessas três instâncias apontadas traremos como exemplo três performances/espetáculos que nos ajudem a construir nosso campo de discussão estética e conceitual, como possibilidade de entender como a potência da Dançatividade se apresenta e como se organiza na cena contemporânea.
Consideramos que o projeto de pesquisa que se apresenta ainda nos traz muitas questões no que concerne à organização do que se caracteriza enquanto Dançatividade. Nesse sentido há algumas questões que se apresentam de antemão: Será que a tentativa de não classificar as danças assumindo suas diferenças a partir da Dançatividade, já não seria por si uma classificação? Será que todas as manifestações podem ser pensadas a partir dessa potência? Estas e outras questões que surgem no decorrer de nossas pesquisas nos mantêm na ânsia de nos aprofundarmos nas investigações, fazendo do processo de pesquisa também uma experiência-vida-dançada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGAMBEM, Giorgio. O que é contemporâneo? E outros ensaios. Trad. Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó, SC: Argos, 2009.
ANSELL-PEARSON, K. Nietzschecomo Pensador Político. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1977.
AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Lisboa: Artes Médicas, 1990.
BARRENCHEA, Miguel Angel. Nietzsche: Corpo e Subjetividade. Rio de Janeiro: Revista O Percevejo, n. 02, 2011.
CANTON, Katia. Da Política às Micropolíticas. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
CYPRIANO, Fabio. Pina Bausch. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
FÉRAL, Josette. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo.  São Paulo: Revista Sala Preta, n. 08, 2008.
NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. Tradução J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
PORPINO, Karenine. Dança é Educação: interfaces entre corporeidade e estética. 179f. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2001.
SCHECHNER, Richard. Performance studies: an introduction. New York & London: Routledge, 2006.
SETENTA, Jussara Sobreira. O Fazer-Dizer do Corpo: Dança e Performatividade. Salvador: EDUFBA, 2008.



[1] O Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura em Teatro da UFRN “Você tem fome de quê: Estudos de Pertencimento” foi orientado pela Profa. Dra. Naira Ciotti e defendido em julho de 2011.

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