PROJETO DE MESTRADO:
DANÇATIVIDADE – PISTAS PARA PENSAR A DANÇA NA
CONTEMPORANEIDADE
Chrystine Silva
Orientadora:
Dra. Karenine Porpino
Durante as pesquisas
sobre os conceitos de Teatralidade e Performatividade em decorrência da
escritura do meu TCC[1],
me deparei com a seguinte pergunta: A performance tem a performatividade, o
teatro tem a teatralidade, e a dança tem o quê?
Partindo dessa questão,
nos propomos a desenvolver enquanto pesquisa de mestrado o termo Dançatividade enquanto potência que se
manifesta na pluralidade da Dança na contemporaneidade sem atentarmos para os
paradigmas de caracterização destas diferentes manifestações, mas procurando
perceber que formas esta potencialidade pode tomar na cena de dança.
Interessa-nos neste
trabalho tratar da dança na contemporaneidade, através da discussão trabalhos
artísticos que estão tanto no campo da dança, como em outros campos, tais como
a performance arte ou arte da instalação. Nessa perspectiva nos afastamos dos
paradigmas de conceituação e nos aproximamos mais de uma possível leitura das
questões de ruptura e hibridização das linguagens, sugeridas estas
manifestações.
Para pensar a Dançatividade traremos para a nossa
discussão uma percepção inicial de como se caracterizam os conceitos de
Performatividade e a Teatralidade. Levando em conta que estes conceitos vêm
sendo estudados por diversos teóricos e críticos, optamos por trazer para esta
discussão um pensador de cada conceito por compreendermos que este quadro
teórico se coloca apenas como introdução à questão da Dançatividade que nos propomos a pensar neste projeto.
Depois de apresentadas
as percepções de Teatralidade enquanto espaço de tensão entre procedimentos do
teatro e de outras linguagens artísticas (FÉRAL: 2008), e de Performatividade
enquanto qualidade da ação que pressupõe a existência de sujeitos envolvidos
numa relação de falar e se deixar falar-ouvindo (AUSTIN:1990) (SCHECHNER: 2006),
nos propomos a refletir quais questões a Dançatividade
poderia trazer para pensarmos as manifestações de dança na contemporaneidade.
Podemos dizer que a
dança na contemporaneidade tem como característica própria a constante busca
por rupturas em sua própria estrutura, rupturas essas que, partindo do
agenciamento de diferentes percepções técnicas e estéticas, geram manifestações
tão diferenciadas entre si que acabam por extrapolar esta mesma nomenclatura e
necessitar da criação de diferentes espaços de conceituação e criação.
De acordo com esse
pensamento, se faz necessária uma definição que não mais se impressione com
categorias de tipos de dança, mas em analisar as potencialidades de dança na
cena. As conceituações ou vertentes anteriormente citadas esbarram na
categorização de tipos de dança o que acaba por trazer mais complicações
relacionadas à compreensão das danças que não fazem parte desses “tipos de
dança”, mas que também se manifestam na contemporaneidade.
Dessa feita, é válido
salientar, que as ideias aqui propostas não prevalecem em todos os contextos da
dança na medida em que se apresentam enquanto pistas para pensar a dança no
contexto plural e mutável da contemporaneidade. Não nos interessa, nesse
sentido, tentar urdir um conceito de dança na contemporaneidade, pois
percebemos que não há uma única referência que abarque sua diversidade de
pensamentos, processos de criação e treinamentos.
Nesse sentido propomos
pensar a Dançatividade enquanto possibilidade de leitura à dança na
contemporaneidade assumindo as diferenças entre as danças que se manifestam
neste contexto. Assim, o termo proposto nos ajuda a pensar estas manifestações
na medida em que busca se concentrar na análise dos pontos de convergência
entre diferentes danças e não nos pontos divergentes que as situam sob diversas
nomenclaturas.
Concentramos-nos, pois,
no que une todas essas perspectivas, o corpo enquanto fio condutor da
experiência humana (BARRENECHEA, 2011) que é tecida na cena pelos corpos que
agem-dançam e pelos corpos que se deixam dançar naqueles primeiros. Ao nos
concentrarmos no corpo que age-dança, enquanto força motriz das manifestações
de dança na contemporaneidade, podemos tratar das diferentes “danças” sob esta
mesma alcunha, bem como das diferentes estratégias de agenciamento dos referenciais
estéticos e técnicos necessários para seus processos criativos. Nessa
perspectiva, podemos afirmar que a Dançatividade se manifesta enquanto potência
de criação do corpo-agente que extrapola os limites da linguagem em que se
insere.
Portanto, trazemos para
discussão o termo “vontade de potência” desenvolvido por Friedrich Nietzsche e
revisitado criticamente por Keith Ansell-Pearson em seu livro Nietzsche como
Pensador Político: Uma Introdução (1977). Ansell-Pearson coloca que a vontade
de potência pode ser considerada uma força criadora, um impulso de força a
efetivar-se e criar novas configurações em relação às demais.
Partindo da percepção
apontada pelo autor podemos perceber que a vontade de potência se coloca como
um impulso do sujeito em se distanciar da verdade unificadora e se abandonar
aos seus instintos artísticos constituídos pelo contínuo confronto entre as
forças apolíneas e dionisíacas (NIETZSCHE, 2006). A vontade de potência seria
um impulso de reavaliação, reorganização dos valores.
A Dançatividade enquanto potência se manifesta nos agenciamentos
realizados pelos corpos-agentes na criação da cena, no esforço de tratar de
suas questões neste espaço de criação que acaba por inferir num jogo de forças
e questionamentos da linguagem da dança recriando-a numa inquietude criadora
que se manifesta das mais diferentes maneiras.
Por compreendermos que não seria possível
pensar as inesgotáveis possibilidades de manifestação desta Dançatividade na
impermanência do sujeito da dança e desta própria dança enquanto território de
criação, considerando o recorte de uma pesquisa de mestrado, nos concentraremos
em três aspectos de grande importância para a compreensão desta potência.
Daremos início ao nosso
estudo nos concentrando nas diferentes percepções de processo criativo que
percebemos na contemporaneidade, considerando que o sujeito contemporâneo
(AGAMBEM, 2009) está a todo o tempo em posição de contestar e desconstruir sua
própria realidade sendo interpelado pelas tecnologias e manifestações políticas
e ideológicas. Pensar a dança na contemporaneidade seria, portanto pensar estes
diferentes sujeitos que irão suscitar diferentes percepções de processo
criativo que estejam em consonância com suas diferentes potências de criação.
Continuaremos nossa argumentação
pensando na capacidade da linguagem de dança de contaminar e ser contaminada
por outras linguagens artísticas, pensando nesse sentido um fazer para cada
dizer (SETENTA, 2008) agenciando as diferentes referências estéticas e técnicas
para a criação de uma dança que se construa no entendimento de que existe a
possibilidade de criação de um repertório próprio de falas/linguagens/danças
que vão se enunciando e transformando durante as apresentações.
Reafirmando uma
compreensão de dança que se constrói a partir dos corpos, dos sujeitos
interpelados e pelados pelas
experiências e referenciais do contexto contemporâneo, nos colocamos em posição
de pensar as idiossincrasias desses corpos e como elas são postas em cena. Nos
propomos a pensar como a(s) cena(s) de dança(s) pode(m) tratar de temas que
partem do próprio corpo, tornando-os políticos na medida em que esses temas
também tocam outros corpos, outras realidades.
Para a discussão dessas
três instâncias apontadas traremos como exemplo três performances/espetáculos
que nos ajudem a construir nosso campo de discussão estética e conceitual, como
possibilidade de entender como a potência da Dançatividade se apresenta e como se organiza na cena
contemporânea.
Consideramos que o
projeto de pesquisa que se apresenta ainda nos traz muitas questões no que
concerne à organização do que se caracteriza enquanto Dançatividade. Nesse sentido há algumas questões que se apresentam
de antemão: Será que a tentativa de não classificar as danças assumindo suas
diferenças a partir da Dançatividade,
já não seria por si uma classificação? Será que todas as manifestações podem
ser pensadas a partir dessa potência? Estas e outras questões que surgem no
decorrer de nossas pesquisas nos mantêm na ânsia de nos aprofundarmos nas investigações,
fazendo do processo de pesquisa também uma experiência-vida-dançada.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
AGAMBEM,
Giorgio. O que é contemporâneo? E outros
ensaios. Trad. Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó, SC: Argos, 2009.
ANSELL-PEARSON, K. Nietzschecomo
Pensador Político. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1977.
AUSTIN,
John Langshaw. Quando dizer é fazer.
Lisboa: Artes Médicas, 1990.
BARRENCHEA, Miguel Angel. Nietzsche: Corpo e Subjetividade. Rio de Janeiro: Revista O
Percevejo, n. 02, 2011.
CANTON, Katia. Da Política às Micropolíticas. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
CYPRIANO, Fabio. Pina
Bausch. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
FÉRAL,
Josette. Por uma poética da
performatividade: o teatro performativo.
São Paulo: Revista Sala Preta, n. 08, 2008.
NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. Tradução J. Guinsburg. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006.
PORPINO, Karenine. Dança é Educação: interfaces entre corporeidade e estética. 179f.
Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Natal, 2001.
SCHECHNER,
Richard. Performance studies: an
introduction. New York & London: Routledge, 2006.
SETENTA, Jussara Sobreira. O Fazer-Dizer do Corpo: Dança e
Performatividade. Salvador: EDUFBA, 2008.
[1] O Trabalho de Conclusão do Curso
de Licenciatura em Teatro da UFRN “Você tem fome de quê: Estudos de
Pertencimento” foi orientado pela Profa. Dra. Naira Ciotti e defendido em julho
de 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário